Marcelo Lemos*
Um velho
amigo, que conosco teve suas primeiras aulas de homilética, contou ter ficado
responsável por ensinar a matéria à uma classe de jovens em sua Igreja.
Curioso, perguntou se poderíamos dar alguns conselhos aos seus jovens alunos. O
texto a seguir reflete o teor de uma conversação ao telefone. A conversa, em
tom bastante informal, se desenrolou a partir de um comentário a respeito de “sermões
para boi dormir”.
Segundo esse amigo, muitos sermões podem receber essa
descrição com justiça. Pregadores monótonos, cansativos, sem vivacidade; ou,
falastrões, comediantes, barulhentos em excesso. Se desejamos que nossa
pregação seja relevante, viva e transformadora, precisamos compreender alguns
conceitos importantes, e neste artigo falaremos a respeito de alguns. Para
aqueles que desejam se aprofundar mais nos temas aqui abordados, recomendo
pesquisar a bibliográfica citada no final.
1. O Conteúdo é mais importante que o método.
A
homilética, sendo uma matéria de teologia prática, nos coloca em contato
com o método1. É preciso compreender e manejar corretamente os
diferentes tipos de sermões como o narrativo, o expositivo, o tópico e o
textual. Naturalmente, cada pessoa acaba se identificando mais com um desses
métodos, praticamente adotando-o em seu trabalho corriqueiro.
Vale
ressaltar que nos últimos tempos temos visto no Brasil uma grande fomentação da
pregação expositiva. Esse movimento é muito louvável, e deve o pregador
inteirar-se desse método homilético de excelência2.
Por
outro lado, parece que alguns pretendem que a pregação que não siga o método
expositivo é de qualidade inferior, ou pior ainda, que apenas a Igreja que faz uso
desse método é “realmente boa” (Denver, 2009)3. Sobre a importância
do método na pregação segue um conselho aos novos pregadores: o conteúdo é mais
importante que o método. A pregação expositiva é louvável e deve ser
praticada, mas a Bíblia não estabelece um método canônico de pregação. Um
sermão tópico pode ser maravilhosamente bíblico, e uma das provas disso é o
fato de termos a disposição excelentes teologias sistemáticas, nas quais a
doutrina cristã é transmitida na forma de tópicos. Além disso, acreditar que o
método expositivo é garantia de fidelidade ao texto sagrado beira a
ingenuidade, visto que, assim fosse, jamais encontraríamos teses exegéticas que
falham em interpretar os cânones inspirados.
Não entenda mal. Esse
conselho não é contra a pregação expositiva. Nem contra aquele pregador que
decidiu pregar exclusivamente por esse método. Mas é preciso alertar para o
legalismo religioso de alguns que parecem tentar impor regras sem autorização das Escrituras.
2. Priorize o conteúdo
sem se esquecer do método.
O conteúdo da pregação é o mais importante, contudo, é preciso
também valorizar o método, e dominar suas técnicas. Como já visto, é legítimo
que um pregador eleja apenas um método para o seu ministério, mas
isso pode tornar seu trabalho um tanto previsível e monótono. Há outros pontos de análise. Pense no pregador que opte apenas por pregações tópicas, este jamais servirá à sua
congregação uma explicação aprofundada de qualquer porção maior dos textos
sagrados - com isso em mente, se for para escolher apenas um método de pregação
que seja o expositivo. Contudo, uma vez que o método não define se a pregação
vai ser bíblica ou não, nada impede que o
pregador possa dominar e se valer das diversas abordagens.
Ao
falarmos sobre o valor do método, e portanto da técnica, é preciso tomar
cuidado com outra crítica; esta, oriunda daqueles que idealizam uma pregação
‘pura’, sem técnica e improvisada. É uma objeção comum entre gente iletrada, e certos círculos religiosos. Algumas tradições pentecostais são totalmente contra a preparação do sermão. Em uma delas, o pregador é obrigado a ficar em um "quartinho" separado, na companhia de outras pessoas, até que a palava lhe seja "revelada". Onde a Bíblia ensina tal coisa? Em lugar algum. Mas se alguém apontar o óbvio, a 'explicação' será que "a letra mata", e desculpas do tipo. Infelizmente, hoje encontramos pensamentos parecidos inclusive em livros com pretensões intelectuais
e de grande alcance popular. Parece não faltar quem pretenda denunciar o sermão
como um tipo de vaca sagrada “concebida no ventre da filosofia grega” (Viola e
Barna)4.
O grande
problema com essa classe de crítica mencionada acima – que já de início peca
por seu anti-intelectualismo mal disfarçado - é o fato de que o Novo
Testamento, apesar de inspirado por Deus, foi redigido de acordo com regras
literárias e retóricas bem estabelecidas no mundo antigo - veja nota5.
É o suficiente para jogar objeções do tipo por terra. Deus inspirou os autores
bíblicos, e respeitou suas habilidades e limitações técnicas (linguísticas,
retóricas, gramaticais, literárias, etc). Não seria ir contra a doutrina da
inspiração bíblica negar que, hoje, um pregador possa valer-se de métodos que
tornem sua pregação mais eficaz do ponto de vista da comunicação humana?
3. Não faça da pregação
uma aula.
Por mais
que a pregação ensine, ela não deve
ser confundida com uma palestra. Há pregadores que expõe o texto bíblico com
maestria, e no entanto, suas pregações são de pouco brilho e não levam as
pessoas à ação. Podem se desculpar dizendo que seu objetivo é transmitir a
verdade, independente das pessoas responderem ou não. Há muito de verdade nessa
desculpa, no entanto, quando se fala em pregação, a ideia de um discurso que
motiva à uma tomada de decisão é inerente. Sem isso, não há sermão, e sim
palestra. Há, basicamente, duas formas de se evitar que o sermão seja dito como
uma palestra.
A ênfase na aplicação prática da mensagem.
Idealmente,
o pregador deve pensar na aplicação prática de sua mensagem já na escolha e
apresentação do título do sermão. Um sermão intitulado “A Morte de Golias”
tem cara de palestra, mas um sermão chamado “Cinco Lições Sobre a Morte de
Golias”, tem cara de sermão. Afinal, o objetivo do sermão não é
simplesmente ensinar os fatos a respeito da morte de Golias, mas apresentar o
que aqueles fatos tem para ensinar hoje. Do título à conclusão, a ênfase
na aplicação das verdades bíblicas na vida do ouvinte deve estar presente.
James
Braga (1986), dedica um capítulo inteiro de seu manual de homilética para o
tema da aplicação do sermão. “A aplicação”, afirma o autor, “é um dos elementos
mais importantes do sermão. Mediante esse processo, apresentamos ao ouvinte as
reivindicações da Palavra de Deus, a fim de obter sua reação favorável à
mensagem. Quando adequadamente empregada, a aplicação mostra a pertinência dos
ensinos da Bíblia à vida diária da pessoa, tornando aplicáveis a ela as
mensagens da revelação cristã” (pg. 185). Mesmo um método como o narrativo, que permite prender a atenção dos ouvintes ao se contar belas e empolgantes
históricas bíblicas, precisa da aplicação. É por meio da aplicação que o
ouvinte é intimado a avalisar sua conduta atual a luz dos princípios extraídos
da Palavra de Deus. Contar a história de Davi e Golias pode ser qualquer coisa,
contar essa mesma história e demonstrar o que ela tem para
ensinar hoje é pregação.
A paixão ao transmitir a mensagem.
Além da
aplicação, o pregador precisa de outro elemento de vivacidade ao comunicar
verdades da Palavra de Deus: fogo! Ou, se considerar essa palavra
demasiadamente carismática, usemos essa: paixão! Nada é mais
desinteressante que um pregador chato, cansado e sem vida no Púlpito. Koller
identifica na dramatização de narrativas bíblicas uma forma de despertar o
interesse da audiência.
Dramatize incidentes da Escritura, especialmente os obscuros ou pouco
conhecidos. Pode-se fazer isso sem tornar-se teatral ou sensacional, ou
satisfazendo o gosto popular da multidão. Sobre Jesus está registrado que “a
grande multidão o ouvia com prazer” (Mc 12:37). As pessoas simplesmente ficavam
fascinadas tanto pelo que Ele dizia como pela maneira vívida e pictórica como o
dizia. “Sem parábolas nada lhes dizia” (Mt 13:34). Os ouvintes gostam do
pitoresco (Koller, pg. 100).
Cabe citar aqui o grande valor do uso de boas ilustrações, que nas palavras de
Braga (1986), servem como janelas que permitem enxergar a verdade que está
sendo transmitida. Ao ilustrar uma verdade, narrar um acontecimento bíblico, ou
aplicar os princípios teológicos expostos, vale a regra de ouro de falar com
autoridade, confiança e vivacidade. Para isso é preciso fogo, paixão. O
pregador é a pessoa sobre quem a comunidade colocou a responsabilidade de entrar
nos tesouros da Palavra de Deus. Ao retornar do tesouro ele deve portar pedras
de precioso valor, devendo entregá-las com amor e alegria para o deleite e
enriquecimento do povo de Deus.
Zibordi
(2007), diz que em I Tessalonicenses 1:5 é possível identificar os três
elementos retóricos necessários ao sermão6: o logos, que é a palavra-conteúdo da mensagem; pathos, o fervor e a paixão daquele que comunica a mensagem, e ethos, uma referência ao caráter do
próprio pregador, sua dignidade como pessoa e como mensageiro de Deus. Neste
artigo buscamos, resumidamente, comentar alguns princípios que talvez sejam
mais urgentes para o momento atual, considerando que estamos presenciando uma
era marcada por polarizações. Se por um lado temos pregações empolgadas, mas
sem conteúdo bíblico e teológico relevante, do outro encontramos pregações com
muito conteúdo, mas com pouca preocupação em fomentar a práxis cristã. Ora
valorizamos o método, ora valorizamos o encanto retórico, especialmente quando
causa comoções. A virtude do pregador deve estar no meio, valorizando a
técnica, o conteúdo e o poder da mensagem que foi incumbido de transmitir.
* Marcelo Lemos, presbítero na Free Church of England, editor do Olhar Anglicano, e da Revista Báculo.
______________
Notas Bibliográficas
1 O método é um dos enfoques da
homilética, especialmente na homilética
formal.
2 Há em Português obras excelentes sobre as técnicas da exposição.
KOLLER, Charles W.: Pregação Expositiva
sem Anotações. Como pregar sermões dinâmicos. Mundo Cristão, São Paulo,
1984. BRAGA. James: Como Preparar
Mensagens Bíblicas, Ed. Vida, 1986. SOUZA. Itamir Neves de: Atos, Uma História Singular: 77 esboços
expositivos. Descoberta, Curitiba, 19999. LOPES. Hernandes Dias: A
Importância da Pregação Expositiva Para o Crescimento da Igreja. Candeia, São
Paulo, 2004. Em Espanhol outras obras se destacam. OLFORD. Stephen F.: Guía de Predicación Expositiva. Broadman
& Holman Publishers, Tennesse, 1998. RICHARD. Ramesh: La Predicación Expositiva: sete passos para la Predicación Bíblica.
Faculdade Internacional de Educación Teológica, Buenos Aires, 2002.
3 DENVER. Mark: Nove Marcas de Uma Igreja Saudável. Editora Fiel, São Paulo, 2009.
4 VIOLA. Frank; BERNA. George: Cristianismo Pagão, Abba Press.
5 Ironicamente, esse fato já foi
publicado no blog do próprio Viola, numa entrevista com o erudito do Novo
Testamento, Witherington Bem III, que publicou obras como New Testamente
Rhetoric: Na Introductory Guide to the Art of Persuasion in and of The New
Testament (Cascade, 2009).
6 ZIBORDI. Ciro
Sanches: Mais Erros que os Pregadores
Devem Evitar. CPAD, Rio de Janeiro, 2007.
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