Rev. Marcelo Lemos
Vivemos em um tempo no qual nada mais nos causa estranheza, dada a quantidade enorme de absurdidades que nos rodeia. Quando se trata de heresias, encontramos desde aqueles que negam os fatos bíblicos a respeito da Natureza de Cristo, e maldição apostólica, até aqueles que defende algo tão imoral quanto o casamento de homossexuais. Que dizer, então, daqueles que [supostamente] imbuídos do desejo de reformar a Igreja, negam sua estrutura revelada no Novo Testamento?
Sim, os tais existem. Basicamente defendem a tese de que a Igreja não precisa de líderes, e que nenhum estrutura, ou hierarquia possa ser encontrada na eclesiologia neotestamentária.
Geralmente tais pessoas se apresentam como defensores de uma "igreja orgânica", contrastada com seu arquétipo, a "igreja institucionalizada". Muitos deles são seguidores - não confessos - de obras como a de Frank A. Viola, cuja erudição chega as raias de condenar um simples sermão como ranço pagão dentro da "igreja instituição".
Com uma visão tão estreita e sectária, não é de surpreender que argumentos, ainda que embasados numa saudável exegese, pouca luz consegue lançar sobre tais mentes. Todavia buscaremos neste artigo demonstrar que, sim, a Igreja cristã precisa de liderança - uma liderança qualificada (treinamento).
Diáconos, presbíteros e bispos
Um dos argumentos contra a tentativa de negar a liderança na vida da Igreja está no simples fato de que o Novo Testamento nos fala de funções específicas, exercidas por pessoas específicas. Historicamente são três essas funções: diáconos, presbíteros e bispos. Nos dias da Reforma, alguns tradições evangélicas abriram mãos dos bispos, mas mantiveram as outras duas ordens: diáconos e presbíteros. Tais evangélicos entendem que presbiteros e bispos são palavras sinônimas. Não analisaremos este argumento aqui, mas você pode encontrar nossa refutação no artigo onde explicamos por que a Igreja Anglicana possui bispos.
Seja como for, é inegável que o Novo Testamento estabelece que algumas pessoas exerceriam funções de ensino e liderança no Corpo e Cristo. Dentre os dons que Deus deu a Sua Igreja consta, claramente, o dom de liderança: "E a uns colocou Deus na Igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro doutores, depois milagres, depois dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas" (I Cor. 12:28). O termo "governos" vem do grego "pilotar, dirigir, governar, presidir".
Palavra semelhante é encontrado em Hebreus 13:7: "Lembrai-vos dos que governam sobre vós, que vos falaram a palavra de Deus, a fé dos quais imitais, atentando para a sua maneira de viver", e também no versículo 17: "Obedecei aqueles que governam sobre vós, e sujeitai-vos a eles; porque velam por vossas almas, como aqueles que hão de dar conta delas". O termo grego aqui é as vezes traduzido como "pastores" (ACF), ou "lideres" (NTLH, NVI). A Bíblia de Tyndale, o pré-reformador inglês queimado na fogueira, traduziu maravilhosamente como "vossos supervisores", que é o significado literal do termo "bispo", que aparece em outras passagens.
O termo grego nestes dois versículos é hegeomai ( ἡγέομαι) cuja tradução pode ser condutor, comandante, líder, juiz, governador. Claramente um líder, como revela outras passagens onde o mesmo termo é utilizado no Novo Testamento - "quem governa" (S. Lucas 22:26); "governador sobre" (Atos 7:10), e também em Hebreus 13:24: "Saudai a todos os vossos chefes e a todos os santos. Os da Itália vos saúdam". Também aqui a escolha da NVI e da NTLH é por "lideres".
Lideres distintos
Há uma tendência entre os adeptos da suposta "igreja orgânica" de insinuar que os "presbíteros" dos quais se lê no Novo Testamento nada mais significa que "anciãos". Como argumento apontam para o fato de que as duas palavras são intercambiáveis, o que é um fato. Se esquecem, no entanto, que para ser um presbítero não bastava ser um ancião, ou seja, uma pessoa mais velha e experiente. A pessoa precisava ser treinada e escolhida para a função de presbítero-ancião. Portanto, os líderes da Igreja no Novo Testamento com toda certeza eram pessoas distintas das demais, em algum sentido.
Por isso S. Paulo escreve a Timóteo sobre o que exigir daqueles homens que desejavam o episcopado: "Esta é uma palavra fiel: se alguém deseja o episcopado, excelente obra deseja" (I Timóteo 3:1). Não bastava, pois, ser um homem mais velho e experiente. Ser um "epíscopo" ia muito além disso, do contrário, a pessoa não precisaria desejar sê-lo, bastaria aguardar a sua vez. Não fossem pessoas distintas dentro da Igreja não diria também a Palavra de Deus: "Olhai, pois, por vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a Igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue" (Atos 20:28).
É comum, a respeito de Atos 20:28, os "orgânicos" acusarem as traduções "Almeida" de terem falsificado o texto, alegando que a palavra "sobre" não consta na versão grega. Preferem que se traduza como "e por todo o rebanho entre o qual". Imaginam que trocar o termo "sobre" por algo como "entre" fará alguma diferença no contexto. Como se diz nas redes sociais, só que não.
Primeiro porque o termo grego pode, sim, ser traduzido como "sobre", que é a escolha da Almeida e também da NVI. Acusar tais traduções de falsidade é no mínimo temeroso, para não dizer desonestidade intelectual. Segundo, porque mesmo que se traduza "entre", ainda assim o caso é de liderança, porque a função é a de um "bispo", cujo significado é supervisor. Portanto, não faz a menor diferença. Trata-se apenas de falatório tecnicista com capacidade de convencer os incautos.
Distinção e Autoridade
Como vimos é fato a presença do dom de liderança dentro da Igreja - liderança que pode ser identificada em pessoas distintas, e não meramente uma ideia difusa de liderança como apregoam alguns. Tal distinção, evidentemente, implica em homens que exercem algum tipo de autoridade na vida da Igreja.
Tito, por exemplo, tinha a autoridade de estabelecer presbíteros. "Por esta causa te deixei em Creta, para que pusesses em boa ordem as coisas que ainda restam, e de cidade em cidade estabelecesses presbíteros, como já te mandei" (Tito 1:5). Isso demonstra liderança e autoridade por parte de Tito. Também demonstra que ele, em nome de Paulo, estava delegando a autoridade a algumas pessoas nas Igrejas de Creta. Para uma discussão maior sobre a autoridade de Tito e Timóteo leia nossa série de artigos a respeito do ministério episcopal na Igreja Anglicana.
Recomendação muito parecida dá S. Paulo a outro discípulo, Timóteo: "O que de mim, estre muitas testemunhas, ouviste, confia-o a homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros" (II Timóteo 2:2).
Liderança Ordenada
Por ordenação estamos nos referindo a "ordenação pastoral", ou seja, o ato do ministro, ou dos ministros da Igreja, precisarem receber sua autoridade através da imposição de mãos. Os defensores da chamada "igreja orgânica" claramente desdenham desta doutrina, e a reputam como costume insignificante dos tempos apostólicos. A opinião da Igreja, no entanto, desde o Primeiro Século é de respeito e obediência a prática dos apóstolos. Quem deseja mudar isso, agora depois de 2000 anos, que assuma o ônus de provar que a Igreja pregou uma heresia por toda sua história.
"Não desprezes o dom que há em ti, o qual te foi dado por profecia, com a imposição de mãos do presbitério" (I Timóteo 4:14). "Por cujo motivo te lembro que despertes o dom de Deus que existe em ti pela imposição das minhas mãos" (II Timóteo 1:6). "E da doutrina dos batismos, e da imposição das mãos, e da ressurreição dos mortos, e da ressurreição dos mortos, e do juízo eterno" (Hebreus 6:2).
Observe que na ultima referencia acima, a imposição de mãos está classificada como uma das "doutrinas" da Igreja apostólica, de modo que, levantar-se contra ele hoje é incorrer em heresia de perdição. Tentam os contradizentes zombarem do que chamam de doutrina de homens, no entanto, a Bíblia assim o diz - "doutrina da imposição das mãos". Até mesmo os diáconos recebiam imposição de mãos para exercerem a diaconia - confira em Atos 6:1-6.
Portanto, a conclusão bíblica e cristã é afirmarmos, como toda a Igreja ao longo de mais de dois mil anos, que a Igreja precisa de uma liderança. Liderança que é distinta, qualificada e ordenada - nos termos acima explicados. Negar isso é levantar-se contra a Igreja estabelecida por Cristo, tentando substituí-la por uma arremedo de grupo de estudos - que podem ter algum valor, mas não são a Igreja.
É admirável o desejo de reformar a Igreja, e retirar dela costume e tradições prejudiciais, sem falar da legitimidade de protestar contra sangue-sugas que aparelharam partes do Corpo de Cristo em benefício próprio. Mas daí a tolerar aqueles que desejam substituir a Igreja por coisa completamente diferente, não pode ser tolerado. Aqueles que, sob pretexto de serem lideres, escravizam e roubam as pessoas devem ser duramente combatidos; aqueles que negam os dons de Deus para sua Igreja, também.
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