Tradução Rev. Marcelo Lemos
Um discurso do
Archbishop Eliud Wabukala;
presidente
da Fellowship of Confessing Anglicans.
Louvado seja o
Senhor!
É com imensa alegria
que vos saúdo como Presidente da Fellowhip of Confessing Anglicans, no nome precioso de nosso Senhor e Salvador
Jesus Cristo, pelo qual somos concidadãos dos santos e membros
da família de Deus. Acredito que nosso
tempo aqui esta noite será um momento chave no desdobramento do propósito de
Deus para nossa amada Comunhão Anglicana, e uma grande motivação para líderes
vindos de cerca de trinta nações diferentes. Somos, de fato, uma Comunhão
Global para o Século XXI. Reunimo-nos guiados pelo Senhor, seguindo sua
orientação para a superação dos desafios do nosso tempo e a crise persistente
que aflige nossa Comunhão. Quero estruturar meu discurso com algumas afirmações
das Escrituras, no Profeta Miquéias, que creio ser a palavra determinada por
Deus para nós neste momento.

Miquéias profetizou
durante um período de crise na História do povo de Deus, a segunda metade do
Século VIII a.C, durante o qual o povo do Reino do Norte, Israel, perdeu sua
identidade, e as pessoas do Reino do Sul, Judá, quase sofreram o mesmo destino.
Em Miquéias 6:8
lemos,
“Ele te declarou, ó
homem, o que é bom; e que é que o SENHOR pede de ti, senão que pratiques a
justiça, e ames e andes humildemente com o teu Deus?”
O que o Senhor
requer de você?
Esta é a maior
questão diante de nós esta semana. Ela exige que tenhamos uma compreensão clara
e que estejamos dispostos a abandonar as ilusões confortáveis. Também, e mais
importante, ela chama-nos novamente para o que
Deus diz. Miquéias fala que “Ele te declarou, ó homem, o que é bom”. Descobrir a vontade de Deus, o que Deus deseja, não
depende de nossa habilidade ou imaginação. Ele não brinca conosco. Ele fala por
meio das Escrituras.
A questão é se vamos ou não permitir que o Espírito Santo aplique essa Palavra
aos nossos corações, e se em seguida, vamos segui-la.
O que o Senhor
requer? Primeiro é preciso que nos aproximemos da situação que estamos
enfrentando com uma mente bíblica. Qualquer um de nós pode olhar para esta
crise e ser tentado a supor que podemos voltar ao tempo quando a vida em nossa
Comunhão corria sobre linhas previsíveis e familiares. Mas isso é ilusão. A fé
não é sinônima de escapismo; ela enfrenta as
coisas como são, confiando que Deus irá agir. A crise
que enfrentamos é também uma oportunidade. Sua origem pode ser rastreada ao longo
dos anos. Os desafios sem precedentes para a identidade anglicana, lançados
sobre nós pela interpretação revisionista da Escritura, nos tem dado, pela
misericórdia de Deus, a oportunidade histórica de redescobrir a reformada
catolicidade da nossa Comunhão, e de um modo tão profundo como ocorreu com os
reformadores ingleses do Século XVI.
Certos da
providência de Deus, podemos confiar que no Seu tempo, Deus endireitará aquilo
que está errado, mas Ele nos conduz em seu propósito, e se desejamos compreender
as implicações da crise para a recuperação e renovação da identidade anglicana,
é preciso, primeiro, estar claro que tipo de crise ela é.
Não podemos tratar
isso como uma crise meramente institucional. A desagregação das estruturas de
governo da Comunhão Anglicana é sintoma de um problema mais profundo.
Atualmente sabemos que os instrumentos de unidade, como o Encontro dos Primazes, o Conselho Consultivo Anglicano, ou mesmo a Conferência de Lambeth, já não vinham inspirando a
confiança geral...
Quando o Global
South Movement Primates se reuniu na China, em Setembro passado, se sentiu
obrigado a declarar em um comunicado que “os instrumentos de unidade da
Comunhão Anglicana tornaram-se disfuncionais e já não têm autoridade
eclesiástica e moral para nos manter unidos”.

Se estivéssemos
diante de um problema institucional era de se esperar que o investimento pesado que se
fez no Pacto Anglicano trouxesse uma solução. Porém, com a rejeição do Pacto,
mesmo na própria Igreja nacional da Inglaterra, é obvio que os recursos
tradicionais para a crise falharam, e que os problemas que enfrentamos estão
profundamente arraigados para que possam ser tratados com estratégias meramente
gerenciais e organizacionais. Como primazes da Fellowship of Confessing
Anglicans, admitimos em nosso comunicado de Novembro de 2010, que o Pacto
Anglicano foi “manifestadamente falho”. Tornou-se claro que era pouco
mais que palavras formais que disfarçavam o
conflito, ao invés de resolvê-lo. O coração da crise que enfrentamos não é
institucional, mas espiritual.
Miquéias pode
perguntar “o que Deus requer?”, na confiança de que o desejo do Senhor já fora
revelado. Todavia, a Conferencia de Lamberth de 1998 mostrou que uma minoria
determinada estava disposta a torcer a Palavra de Deus, a fim de adequá-la as
ideias da moda em seu contexto cultural, e que não estava disposta a se
solidarizar com o pensamento claro dos bispos da Comunhão, quando sua opinião
foi colocada a prova.
A história
subsequente da nossa Comunhão se desenrola a partir deste ponto. Alguns setores
da Comunhão Anglicana seguiram ecoando as palavras da Serpente: “O que Deus
realmente disse...?”. E sua estratégia tem sido dar continuidade a este diálogo
interminável, a fim de desgastar qualquer resistência, enquanto em todo o tempo
busca seu objetivo autodeterminado de inclusão radical. Neste aspecto, eles
foram muito ajudados pelos teólogos anglicanos que afirmam que nossa identidade
encontra-se naquilo que chamam de “a gramática da obediência”. Eles pretendem
alterar o sentido claro das Escrituras, e escavar “verdades mais profundas” da
Revelação, que estariam ocultas sob as palavras do Livro. Assim, não é surpresa
que a Escritura esteja sendo convenientemente torcida de todos os tipos e
formas diante de nós, e que os chamados ‘evangelhos verdadeiros’ possam
contradizer o sentido literal das palavras da Bíblia.

Embora nunca devamos
fugir ao duro trabalho de expor as Escrituras, também não podemos ignorar o
claro ensino do texto inspirado. Este texto, que o Arcebisbo Cranmer estava tão
interessado em disponibilizar no idioma inglês para todas as paróquias, e tem
sido fundamental para a transformação cultural que o Evangelho levou a África e
ao resto do mundo. A “gramática da obediência” é um cavalo de troia teológico
para a desobediência. Tal acomodação para o falso ensino de instituições da Comunhão
Anglicana tem tido um grave efeito.
Deixe-me ilustrar
contrastando a nossa conferência de 2008, em Jerusalém, que lançou o movimento
GAFCON, com a Conferência de Lamberth, que teve lugar pouco depois.
No espaço de uma
semana, apesar dos muitos e variados contextos culturais, fomos capazes de
elaborar e aprovar com alegria e muita festa uma declaração objetiva do que é a
identidade anglicana, na forma da Declaração de Jerusalém. Regozijamo-nos, pois
através do Espírito Santo, o Senhor nos deu tal unidade na verdade,
e sabíamos que Ele nos estava pondo livres, com um testemunho claro e firme em Jesus
Cristo, de um modo que simplesmente não seria
possível por meio dos canais tradicionais.
Na Conferência de
Lamberth, que muitos por motivo de consciência se sentiram impedidos de
assistir, a história foi diferente. Muita conversa e mais conversa, mas nenhum
pensamento em comum, e nenhuma tentativa de resolver o mérito da doutrina
fundamental e das diferenças éticas quem têm sido tão destrutivas para a nossa
unidade. Em Lamberth, houve nervos a flor da pele e pouco mais que conversa; em
Jerusalém, corajosamente reafirmou-se a nossa confiança na fé que confessamos.
Ali recuperamos nossa identidade genuinamente anglicana, e através da
Declaração de Jerusalém estabelecemos um cenário coerente para nosso testemunho
global no Século XXI. A Declaração de Jerusalém, em seu
preambulo, claramente estabelece a identidade anglicana. Permita-me lembra-lo:
“Nós, juntamente com
muitos outros fiéis anglicanos em todo o mundo, acreditamos que o fundamento
doutrinário do Anglicanismo, que define nossa identidade essencial como
anglicanos, é expressa nestas palavras: A doutrina da Igreja está fundamentada
nas Escrituras e nos ensinamentos dos antigos Pais e dos Concílios da Igreja,
conquanto sejam agradáveis ao ensino das Escrituras. Em particular, tal
doutrina é encontrada nos 39 Artigos de Religião, no Livro de Oração Comum e no
Ordinal. Temos a intenção de permanecer fiéis a esse padrão e apelamos a outros
na Comunhão que retornem a ele”.
Nossa Conferencia em
Jerusalém foi realmente uma experiência no topo da montanha, um tempo rico de
comunhão no Espírito Santo, ensino inspirado e insights proféticos. Mas temos
que descer do topo da montanha e não simplesmente descansar sobre a
experiência, ou achar que de alguma forma já realizamos nosso trabalho. O que o
Senhor requer? Ele exige, diz Miquéias, a nossa ação! Que ajamos com justiça e
misericórdia, e não apenas ficar a escrever e refletir sobre as coisas. Deus
nos deu uma identidade, temos de agir a partir dela; devemos ser fiéis a nós
mesmos como o somos a Cristo crucificado, redimidos através da Cruz, onde
Justiça e Misericórdia de Deus se encontram. Isto é o que significa agir com
autenticidade. Não é uma questão de seguir nossos sonhos e sentimentos
subjetivos, mas ser fiéis a quem ressuscitou dos mortos, para que possamos não
viver para nós mesmos, mas para Aquele que morreu e ressuscitou por nós.
Viver desta forma
está além das nossas capacidades humanas. Nas palavras da Coleta para o Domingo
da Trindade XIX, do Livro de Oração Comum, oramos:
“Porquanto sem Ti,
não somos capazes de agradar a Ti, concedei misericordiosamente o Teu Espírito,
para poderes dirigir e governar nossos corações”.
Isto para mim é uma
verdade pessoal. Ao ser eleito como Presidente do conselho de primazes
GAFCON/FCA em Abril do ano passado, afirmei o seguinte:
“Reconheço que
assumimos uma tarefa verdadeiramente monumental, mas servimos a Deus para quem
nada, nem mesmo vencer a morte, é impossível”.
Devemos, então, agir
em obediência ao que Deus exige, conhecendo nossa fraqueza, e na dependência
contínua do poder do Espírito Santo. Esta foi uma realidade preciosa para
alguns de nós durante o Reavivamento no Leste Africano, quando o Espírito de
Deus renovou a Igreja, dando-lhe um caminhar humilde com Deus, convicção de
pecados, sede da Palavra de Deus, um estilo de vida simples, e um insaciável
desejo por evangelismo. São estas qualidades que precisamos para renovar nossa
comunhão global à medida que avançamos unidos. Um poderoso movimento de
renovação e transformação, isso é o que somos.
Desde 2008 temos
atuado, talvez não tão rápida ou claramente como deveríamos, mas houve ação. De
acordo com a Declaração de Jerusalém, os primazes do GAFCON promoveram a Igreja
Anglicana na América do Norte (ACNA) como uma nova província e interromperam a
comunhão com a Igreja Episcopal dos Estados Unidos (TEC) e com a Igreja
Anglicana do Canadá. Apesar de violentamente perseguidos nos tribunais, e das
perdas de recursos, templos, e propriedades que gerações anteriores haviam
destinado à obra do Evangelho, é com grande alegria que vemos a ACNA é muito
mais que um reduto para soldados feridos. É um órgão missionário dinâmico que
cresce notavelmente através da plantação de igrejas.
Ano passado ficou
claro que algumas providências deveriam ser estendidas também ao Reino Unido.
Após quatro anos de discussão, em junho do ano passado foi formada a Missão
Anglicana na Inglaterra, depois que altos líderes anglicanos não conseguiram
encontrar uma forma de oferecer liderança ortodoxa aqueles que dela
necessitavam no Reino Unido.
Durante esta semana
iremos nos aplicar a próxima fase que o Senhor exige de nós. Espero que unidos
como um conselho, sejamos levados à ação que moldará profundamente o futuro da
Comunhão, contudo, assim como é cara para nós as grandes questões da teológia e
do método, precisamos cuidar de não negligenciarmos o modo como tratamos uns
aos outros, a fim de que haja consciência e integridade para com a identidade
que reivindicamos.
Para agir com
justiça e amar a misericórdia é necessário haver honestidade e justiça no trato
uns com os outros, como um fim e não com um meio, nem se deixar infectar pelo
cinismo e pragmatismo que possam surgir quando o poder e a influência estão em
jogo. É verdade que somos um movimento profético, e Deus nos entregou algumas
coisas bem duras que precisam ser ditas, mas a severidade deve impressionar
ainda mais pela bondade e generosidade pelas quais somos conhecidos.
E tudo isso feito
com humildade e oração, não nos colocando acima da Palavra, mas reconhecendo
que é a Palavra de Deus que nos julga e examina. Devemos atentar ainda ao fato
de que a Palavra, que é a Verdade de Deus para todas as culturas e todos os
tempos, não é herança privilegiada de uma única cultura e tradição, de modo que
tem o potencial de abrir novas perspectivas sobre as insondáveis riquezas de
Cristo.
Para fazer aquilo
que o Senhor exige é preciso ainda coragem. Todas estas coisas são necessárias
para descobrirmos se a Comunhão Anglicana irá recuperar sua identidade bíblica.
Os desafios são, certamente, monumentais e creio que podemos resumi-los como se
segue:
1. Precisamos manter
a glória de Deus o cumprimento da Grande Comissão no coração do movimento.
Defendemos o Evangelho, pois queremos promover o Evangelho. GAFCON foi lançada
como uma missão de resgate para a Comunhão Anglicana, mas isso porque ela
mesma, a Comunhão, deve ser uma missão de resgate. Especificamente, deve-se
construir um pacto global que incentive o evangelismo e a plantação de igrejas.
Precisamos uns dos outros, o Sul pode beneficiar-se da experiência do que estão
resistindo no Norte, e compreender a dinâmica de uma cultura ocidental
‘secularizante’ que está se espalhando rapidamente em todo o mundo. O Norte
também pode se beneficiar do entusiasmo e vigor missionários que caracteriza as
Igrejas que crescem no Sul. Como uma Comunhão global, devemos estar na
vanguarda do trabalho. Não podemos nos contentar que o Anglicanismo seja como
um tipo de capelania para diminuir os enclaves daqueles que foram deixados para
trás pela maré da História.
2. Devemos
considerar novos odres para a estrutura de nossa liderança mundial e não colocar
impedimentos ao trabalho da evangelização. Quatro anos atrás a Declaração de
Jerusalém falou do “manifesto fracasso” dos instrumentos de unidade da Comunhão
Anglicana, e desde então tem estado claro que tais instrumentos falharam
conosco. Líderes ortodoxos precisam fazer muito mais que ficar longe.
Precisamos voltar aos princípios fundamentais e desenvolver novas estruturas,
nos mantendo firmemente dentro da Comunhão Anglicana. Precisamos refletir como
podemos construir sobre o modelo de liderança conciliar iniciado em Jerusalém
2008, quando da criação do Concelho de Primazes do GAFCON. Nossa comunhão
amadureceu e chegou o momento que sua liderança deve se focar não em uma pessoa
ou Igreja, mas em uma história consagrada, uma fé histórica que confessamos.
3. Devemos resistir
à tentação de sermos teologicamente preguiçosos. Nosso objetivo de uma Comunhão
renovada não se sustenta se não estamos dispostos a apoiar os que são dotados
para o estudo e o trabalho pesado da teologia, tão essencial para dar profundidade
e alcance a nossa visão, tanto dentro quanto fora da Igreja. Precisamos
recuperar o sonho dos reformadores anglicanos sobre o povo comum conhecendo as
Escrituras e sendo alimentado pela doutrina bíblica. Também precisamos de
líderes, ordenados ou leigos, capazes de defender firmemente a fé apostólica na
praça pública do mundo. Se não o fizermos, as ideologias seculares que tem
poderosamente moldado o cristianismo liberal e revisionista dentro da Comunhão,
irá apertar o cerco. O Senhor nosso Deus não permitirá isso. Ele nos chama para
seguir em frente.
O que o Senhor
exige? Ele nos chamou para um grande propósito profético neste momento crítico
na vida da nossa Comunhão. Depois de aproximadamente 450 anos, fica cada vez
mais claro que aquilo que alguns chamam de “experiência anglicana” não termina
em fracasso, mas está a beira de um novo e realmente global futuro, e que a
visão original dos reformadores pode ser realizada como nunca antes. Não
precisamos rejeitar ou menosprezar nossa história, mas devemos aprender com
ela, e nos colocamos agora humildemente para caminhar com nosso Deus, rumo ao
futuro e a esperança que Ele tem planejado para nós.
Gostaria de
aproveitar esta oportunidade para terminar minhas observações convidando vocês
e suas Igrejas para o GAFCON II, em maio de 2013.
Em nome do Pai, do
Filho e do Espírito Santo, amém!
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