Rev.
Marcelo Lemos
Caros
leitores, este blog tem esforçado-se para ajudar a difundir no
Brasil a tradição anglicana, conforme a recebemos dos Reformadores
Ingleses. Reconhecemos, como se sabe, dos problemas que afetam o
anglicanismo no mundo, em nada diferentes dos problemas que afetam
outras tradições cristãs como a presbiteriana, luterana, católica,
batista, e assim por diante... Mas também destacamos o maravilhoso
esforço mundial em prol do Cristianismo Histórico que qualquer
pessoa pode ver dentro desse mesmo Anglicanismo.
O
leitor minimamente informado a respeito do Anglicanismo vai
reconhecer grandes heróis dessa luta como Bispo Robson Cavalcante (Igreja Anglicana do Recife), J. I. Paker, John Stott, Free Church of
England (também conhecida no Brasil como Igreja Anglicana Reformada
do Brasil), GAFCON, Reformad Episcopal Church, Church Society, ACNA, AMIA, e daí por diante. Apesar disso, é compreensível que
o evangélico mediano simplesmente ignora tais fatos; mas, o que dizer
quando um renomado apologista evangélico, membro de um dos maiores
centros de estudos apologéticos do Brasil, revela tanta ignorância sobre o papel e a teologia da Igreja Anglicana no contexto atual?
A
carta aberta que agora publicamos é endereçada ao pastor batista
João Flávio Martinez, diretor do CACP, e foi
motivada por um postagem esdruxula do mesmo no Facebook (vejam print acima). Abaixo segue nosso desagravo ao autor. Por fim, incluímos ainda uma lista de artigos que revelam as falsidades do post.
Caro
irmão Martínez, paz e bem!
Desconheço seu trabalho, bem como desconheço tua
pessoa, assim, ainda que desejasse, não poderia dirigir qualquer observação sobre seu valor como pessoa, ministro do
Evangelho, ou mesmo enquanto apologista e escritor. Um amigo de
ministério, tão anglicano quanto eu, assegura que exceto por alguns
exageros, o senhor é um bom apologista da fé cristã. Deus seja
louvado! Mas, isso não te exime da culpa por difundir desinformações sobre o que desconhece, tendo ou não intenção.
A intenção do seu post no Facebook, ao que parece, foi alertar os evangélicos quanto ao saudoso Rev. John Stott. Ele era anglicano, como eu também sou. E, de fato,
como você observa em sua postagem, os evangélicos geralmente amam os escritos deste
nosso irmão, o que é maravilhoso, afinal, suas obras são
impactantes, bíblicas e de fácil leitura. Oxalá Deus nos
permitisse outros escritores como ele. Talvez com leituras desse nível começasse a nos faltar aqueles que fazem "campanhas" com réplicas do Muro de Jericó construídas de papelão... Me contaram que alguns leitores da tua cidade entenderão a piada!
Mas, o amor dos evangélicos pelo autor não te obriga, evidentemente, a gostar de Stott, nem te impede
de questionar esse ou aquele escrito dele, ou alguma doutrina ou
costume do qual discorde. Sequer te impede de questionar a tradição a qual pertencemos, o Anglicanismo. Mas, essa liberdade dá ao irmão o direito de publicar
informações imprecisas, ou mesmo falsas, a respeito da denominação
do irmão John Stott? Eu creio que não! Ainda mais em se tratando de
alguém que é membro do CACP, cuja responsabilidade com a exatidão
dos fatos deveria ser maior que a do evangélico mediano. E é exatamente a essas desinformações
ou inverdades que irei responder a seguir.
I
A
primeira afirmação tua que precisamos analisar diz “Stott,
teólogo anglicano, comemorado por muitos, mas servo de uma
Igreja putrificada pelo pecado!”.
Observo aqui sua
tentativa de taxar Stott como estando em subserviência para com uma
Igreja que você chama de putrificada pelo pecado. Como se Stott não fosse, como de fato é, uma das vozes mais poderosas dentro do
Anglicanismo contra o liberalismo teológico e moral que ameaça
nossa tradição reformada. Isso por si só, em minha opinião, poderia classificar sua fala como falso testemunho, no sentido mais bíblico do termo.
A menos, claro, que o irmão tenha informações que desconheço.
Talvez você possa provar que ele calou-se, ou aprovou os aloprados
da Teologia Liberal. E caso tenha essas provas, gostaria de
conhecê-las. Mas, se não as tem, e digo que não lhe é possível tê-las, sua tentativa de taxa-lo de “servo” da referida situação
não passa daquilo que eu disse que é: falso testemunho.
Além disso, me soa deveras estranho que um ministro batista chame outro ministro de
“servo” de alguma denominação. O irmão, por acaso,
considera-se um “servo" da Igreja batista, tradição aqual pertence? Espero que não! E nem deve! Somos servos, mas de Cristo, através de nosso
serviço ao povo de Deus. E só. Então, devemos ser julgados não
necessariamente pelo nome da nossa tradição cristã (batista,
presbiteriana, congregacional, metodista), mas sim pela nossa conduta
pessoal no Evangelho. Portanto, se o irmão tem alguma discordância com Stott, faria maior bem tratando-as teologicamente, e não
difundindo falácias ou calúnias, mesmo se embuído das melhores intenções.
II
Observo,
em segundo lugar, que quando o senhor define a Igreja Anglicana como
“putrificada pelo pecado!”, estás a fazer uma
generalização no mínimo desinformada. E podemos pegar o próprio Stott como
exemplo, já que nós, anglicanos, temos nele um dos maiores exemplos
de baluarte do cristianismo ortodoxo, de alguém que não se dobrou aos
avanços do liberalismo moral e doutrinário.
Estou a negar que os
liberais estão fazendo estragos? De forma alguma! E não são poucos, contudo, para combater um câncer o primeiro passo é reconhecer a presença do tumor. Mas é
falso médico aquele que para enfrentar o câncer resolve dar um tiro na
cabeça do paciente.
Diante disso é que me vejo pensando: é possível que alguém que antes de escrever precisa verificar os
fatos, por ser apologista de renome, desconheça nomes como o da
Diocese de Sidney, Robson Cavalcante, ACNA, GAFCON, FCE, REC, Church
Society, e milhões de outros? E sim! Eu disse milhões de
outros anglicanos que integram o maior esforço organizado que o mundo já
viu contra o liberalismo! Será que tal apologista desconhece tais fatos? Se conhece,
mente descaradamente em sua postagem na rede social. Mas se não conhece,
melhor teria sido ficar calado. Seja como for, sua postagem não
condiz com o esperado de um apologista, especialmente por estar ligado a
órgão tão importante quanto o CACP.
Concordo com uma coisa na postagem que o irmão publicou: meias-verdades são odiosas!
III
Sua terceira afirmação é ainda mais tosca, obtusa e falsa: “Igreja
que o adultero Charles é o Papa”. Não leve para o lado pessoal, mas tem tanta inverdade em uma
única frase que dá até preguiça de responder. Só o farei pois afirmações tais são não apenas inverídicas, são também também
um desserviço para a causa do Reino.
Em
primeiro lugar, a Igreja Anglicana não tem a figura
de um Papa. Por isso cada província anglicana é autônoma e
autocéfala, respondendo apenas a si mesmas, através de seus
ministros ordenados e representantes leigos. Como apologista o irmão
deveria saber disso, uma vez que resolveu abordar a questão com tamanha liberdade e [supostas] desenvoltura e autoridade.
Tanto é verdade não termos Papa, que a Comunhão Anglicana a alguns anos publicou um
documento orientando as Igrejas nacionais que não ordenarem pessoas que são
homossexuais praticantes, o que não impediu a província americana (TEC) de
seguir em frente em seu desatino. Por outro lado, a atitude dos
liberais americanos não impediu os conservadores de criar o GAFCON, que tem como um de seus objetivos ser uma opção ao avanço liberal.
E por falar em GAFCON, este tem trabalhado tanto
contra o liberalismo em nossas fileiras que, segundo alguns analistas, a própria
Comunhão Anglicana pode estar com os dias contados (até os liberais
já admitem isso). Os liberais também admitem que a liberal americana TEC possivelmente estará morta nas próximas décadas. Ora, meu caro, tivéssemos um Papa, o mesmo
falaria e o resto ficaria calado, ou falaria as escondidas, não é verdade? Tivessemos um Papa, não estariamos criticando os rumos tão abertamente como fazemos, o que só não vê aqueles que, como o irmão, estão desinformados. Felizmente, nem todos os desinformados resolvem
criticar o que desconhecem.
De modo que, pastor Martinez, o príncipe Charles não pode ser Papa
da Igreja Anglicana, já que não temos essa coisa de Papa, compreende? É como procurar chifres em uma galinha, ou penas numa
vaca. Imagino que talvez o renomado apologista esteja se
confundindo e, na verdade, tentando falar de algo presente apenas na Igreja
nacional da Inglaterra, a saber, que o Monarca inglês é considerado
o chefe da Igreja. Isso é fato. Trata-se de uma Lei Cível, que
nasceu nos dias da Reforma Protestante, e cujo objetivo era impedir
que o Papa interferisse na Igreja Nacional.
Mas, como Lei meramente
cívil, o Monarca Inglês não tem nenhum poder doutrinário sobre a
Igreja. Seu poder é meramente cívil, e seu papel o de um guardião administrativo. E mesmo que tivesse, você deveria chamar a Rainha Elizabeth
de “papisa”, a atual monarca, e não seu filho Charles, que de Rei não tem nada, é um Príncipe. Mas, como o irmão é historiador, acredito que apenas se distraiu.
E um exemplo pode nos ajudar a tornar a inverdade “apologética” ainda mais
patente: a atual Rainha da Inglaterra é uma mulher sabidamente
conservadora e contrária ao casamento homossexual. Assim, quando o
Parlamento Inglês resolveu votar a questão ela foi a público e demonstrou
sua opinião contrária ao projeto. O que aconteceu? O Parlamento foi em frente e aprovou o que
bem desejava, no que foi seguido inclusive por alguns bispos (não por todos).
Ora, belo Papa é a Rainha, meu caro!
IV
“Uma
Igreja que faz o catolicismo corar de vergonha pelas suas heresias!”.
Essa sua quarta e final afirmação sobre o Anglicanismo realmente
revela o nível de desconhecimento de muitos...
Acabei de escrever, caro pastor Martinez, um
pequeno livro chamado “Quem São os Anglicanos?”, e
modéstia a parte, lhe faria um bem danado lê-lo, ainda que eu não
tenha a pretensão de ser um escritor renomado como o irmão. Caso
tenha interesse estou deixando o link para consulta e compra:

Sempre
que vejo algum apologista da fé cristã afirmando coisas desse tipo
fico pensando se o mesmo alguma vez já deu-se ao trabalhado de ler o
que a doutrina anglicana ensina, em seus formulários oficiais. Estou
falando, claro, dos 39 Artigos de Religião, do Catecismo Anglicano, e do nosso Livro de Oração Comum. Nem vou nem perguntar a respeito do Book of Homilies, que seria pedir demais. Porque, caso tenha lido qualquer um destes formulários, certamente terá encontrado neles a condenação formal para os erros teológicos
ensinados pela Igreja de Roma, além de outras.
Para
não ficar apenas no meu desagravo vamos aos fatos. Leia comigo, amigo pastor Martinez, um dos nossos artigos de fé: “a doutrina romana
relativa ao Purgatório, indulgencias, veneração e adoração,
tanto de imagens como de relíquias, bem como a invocação dos
santos, é uma invenção fútil e vã, que não se funda em
testemunho algum da Escritura, antes repugna à Palavra de Deus”. Artigo XXII de nossa confissão de fé, denominada 39 Artigos de Religião.
Pode
ser, no entanto, que o senhor não esteja falando da nossa fé, que é
Bíblica, mas sim do liberalismo teológico que nos ameça, assim
como ameça todas as demais denominações ocidentais. Mas, ainda
assim, seria responsável não incluir John Stott na bagunça, nem a
maioria esmagadora dos anglicanos presente no mundo (mais de 90
milhões de cristãos), que juntamente com GAFCON declaram que “a
criação por Deus da humanidade como macho e fêmea, e o padrão
imutável do casamento cristão entre homem e mulher como o lugar
apropriado para a intimidade sexual e a base da família.
Arrependemo-nos por nossas falhas em manter esse padrão, e
conclamamos uma renovação do compromisso de fidelidade duradoura no
casamento e de abstinência para os em celibato”; e
juntamente com o Revdm. Peter Jensen, ex-arcebispo da Diocese de
Sidney, esperam que nosso trabalho “pode ser o começo de algo tão
grande quanto John Wesley”. Mas, um apologista renomado do CACP não
deve desconhecer fatos tão importantes a respeito daquilo que fala.
Será que não mesmo?
Como é mesmo a afirmação em sua postagem? Meias-verdades são odiosas! Não me alongarei mais, quem sou eu para
ensinar padre a rezar missa!
Bem acostumado a encontrar pessoas desinformadas a respeito da
tradição anglicana, apenas me decepciono quando encontro tamanha
desinformação vindo de alguém tão presente na vida
intelectual de muitos evangélicos. Ora, se um dos maiores órgãos
da apologética evangélica brasileira tem em seu hall alguém que
fala daquilo que não conhece, onde iremos parar?
Pessoalmente
seu post não me deixou ofendido, apenas assustado. A ignorância
sempre me assusta, ainda mais de pessoas das quais esperamos um pouco
mais. O convite para que leia meu humilde livro é sincero, e caso
queria um bate-papo amigável sobre o assunto, minha casa estará
sempre aberta, bem como este site.
Aos leitores do blog, segue pequena lista de artigos que tratam deste tema:
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