Rev.
Marcelo Lemos
Existe no
Brasil, ainda de forma extremamente tímida, uma ordem religiosa que
esta sob a supervisão episcopal do Reverendíssimo Josep Rossello,
bispo comissionado pela Free Church of England, para o Brasil.
Trata-se da Comunidade de Jesus, uma ordem religiosa ecumênica, de
espiritualidade franciscana e beneditina (cada candidato escolhe, ou
descobre, o carisma que lhe é mais apropriado). Mas, o que uma ordem
religiosa tem a ver com anglicanismo, ou mesmo com uma Igreja
Reformada?
Aparentemente
não muito, posto que ideia geralmente aceita é a de que os
Reformadores simplesmente condenaram as ordens religiosas, e seus
monastérios e conventos. Podemos citar, por exemplo, a própria
Reforma Inglesa, durante a qual Henrique VIII mandou dissolver todos
os monastérios, e vendeu suas propriedades. Este fato, na ótica dos
católicos-romanos, deu-se devido a cobiça do Rei, uma vez que as
ordens religiosas possuíam muitas terras e bens. Felizmente, não é
tão simples assim o diagnóstico. Porque, como se sabe, os
monastérios eram não apenas ricos, mas também diretamente ligados
a jurisdição do Papa, e na maioria das vezes sequer respondiam ao
Bispo local. Uma vez que Henrique VIII desejava nacionalizar a Igreja
da Inglaterra, os monastérios se transformaram em poderosos focos de
divulgação e apoio ao domínio exercido pelo Papa. Não é de se
estranhar ter o rei tomado a iniciativa de dissolvê-los – muitas
vezes, deve-se admitir, de modo cruel, covarde e violento.
Por outro
lado, é completamente falsa a ideia de que os primeiros reformadores
tenham condenado oficialmente a vida religiosa, ou mesmo monástica.
É verdade que as confissões de fé produzidas pelos luteranos
criticavam o monaquismo de forma poderosa, mas jamais o proibiu. E
nem poderia, posto que até mesmo Martinho Lutero deu seu apoio a
vários monastérios e ordens religiosas - e não poucas ordens foram grandes aliadas da Reforma
Protestantes, inclusive e especialmente na Alemanha.
De fato,
pode ser dito que algumas ordens religiosas não-oficiais deram os
primeiros passos rumo a Reforma, e apenas o preconceito dos
evangélicos modernos parece excluí-las do honroso rol dos
pré-reformadores, ao lado de gente como Wycliffi e Savonarola. Um
dos mais fortes destes movimentos foi a “Devotio Divina”, espécie
de regra monástica da época. Quem mais seguiu a espiritualidade da
“Devotio Divina” foram os chamados Irmãos de Vida Comum, o mesmo
que produziu alguém do nipe de Thomas Kempis, da consagrada obra “A
Imitação de Cristo” - que ainda hoje é lida e praticada por
milhões de cristãos, inclusive reformados de todas as confissões.
Também
Erasmo de Roterdã foi educado quando criança pelos Irmãos de Vida
Comum, e durante muito tempo manteve grande amizade com o reformador alemão, Martinho Lutero. Mas, ao contrário de Lutero, Erasmo
preferiu não se afastar da Igreja Romana, e acabou por morrer
solitário, sem apoio nem dos luteranos nem de seus companheiros
romanistas. Sua maior polêmica contra Lutero teve a ver com sua discordância para com a Doutrina da Predestinação, apregoada por
Lutero. Fora isso, Erasmo de Roterdã também teve uma mente
reformadora, coisa facilmente comprovada pela leitura de suas obras.
Um lugar acessível para conhecer um pouco do pensamento do autor é
a obra de Geonavi Reale, da Editora Paulus.
Vale
ressaltar que esse jovem educado pelos Irmãos de Vida Comum lecionou
na Inglaterra quando Henrique VIII era criança, e sua influência
foi tão grande, que uma das obras mais usadas pelos Reformadores
Ingleses, anos depois, eram justamente as paráfrases de Erásmo do
Novo Testamento. A prova? Suas paráfrases eram publicadas a a direita
do Livro de Oração Comum, a tradução inglesa da Bíblia, e o
Livro das Homilias. Mas, devido sua polêmica com Lutero a respeito
da Predestinação e livre-arbítrio, os reformadores subsequentes
aparentemente tentaram apagar a memória de Eramos do mapa da
Reforma. E não é minha intenção restaurá-la, mas somente fazer
menção a fatos históricos que fundamentam a ideia principal desse
texto, a saber, que os reformadores da primeira geração não
reputavam a vida religiosa como algo satânico, tendo em muito de sua
herança, como a “Devotio Moderna”, forte aliada. Talvez por isso
mesmo o Concílio de Trento tenha condenado e proibido os Irmãos de
Vida Comum.
Todavia, a
condenação lançada por Trento não colocou fim aos Irmãos de Vida
Comum, pois continuaram existindo em terras luteranas até o Século
XIX. Na verdade, Martinho Lutero gostava dos Irmãos, provavelmente
porque eles dedicavam-se a educar os jovens, algo que o Reformador
apreciava sobremaneira. E, como já dito, os Luteranos, apesar das severas criticas gerais, nunca realizavam uma condenação ou
proibição formal contra a vida monástica. Tanto que, além das
comunidades dos Irmãos de Vida Comum, também várias comunidades
beneditinas uniram-se formalmente a Reforma Luterana já no Século
XVI, e ainda hoje existem inúmeras comunidades monásticas e
conventos que confessam a fé luterana.
Voltando
ao Anglicanismo podemos fazer as seguintes observações, que
esclarecem o status do monaquismo na tradição anglicana:
Assim
como o Luteranismo, os reformadores ingleses jamais condenaram
formalmente as ordens religiosas, ou mesmo a vida monástica;
A
dissolução dos mosteiros e conventos por parte de Henrique VIII
justificou-se muito mais pela luta de poder entre o rei e o Papa;
Nesse
mesmo período, foi justamente a espiritualidade monástica dos
Irmãos de Vida Comum que influenciava a reforma teológica –
introduzida por Thomas Cranmer, e não por Henrique VIII, como
popularmente se imagina. Essa influência da espiritualidade
monástica nos primeiros dias da Reforma Inglesa se observa pela
importância que teve nela as obras de Eramos.
Sob o
reinado de Charles I, uma comunidade semelhante aos monastérios foi
criada em Little Gidding, e era composta de familiares, mas não
tinha existência formal. Seja como for, essa ordem religiosa fazia uso das Matuninas e Vespetinas em sua devoção diária, seguindo as rubricas do Livro de Oração Comum. Além da vida espiritual,
também cultivação a educação dos jovens.
Os
Puritanos mais radicais, no entanto, odiavam Little Gidding, e o
chamavam jocosamente de “convento arminiano” - o que é
absolutamente falso. Quando Oliver Cromwell chegou ao poder, a ordem
religiosa foi completamente dissolvida.
Parecia
ser o fim das ordens religiosas dentro da tradição anglicana, até
que no Século XVIII novas iniciativas apareceriam, e um nome muito
importante desse período foi William Law.
Por
fim, vale a pena citar o Movimento Metodista, que apesar de não ser
monástico, começou no formato de sociedades religiosas, que possuía, inclusive, uma regra e um método de vida a ser seguidos, e
produziu frutos visíveis até os dias de hoje. Aliás, é por isso
mesmo denominado “metodismo”. Vale lembrar, eles mesmos denominavam seus grupos como “sociedades religiosas”.
Tais
observações, apesar de breves, nos parecem conduzir a um caminho
promissor. Infelizmente, especialmente no Brasil, pouco material há
disponível sobre o tema. Geralmente aqui se valoriza mais um
monarquismo tardio dentro da Igreja Anglicana, mais influenciado pelo
Movimento de Oxford, e seu namoro nada escondido com as prática e
doutrinas da Igreja de Roma. Vale a pena, porém, ir além dessas
barreiras e tentar entender a verdadeira relação entre Reforma e
Vida Religiosa, sobre o que praticamente ninguém comenta nos dias de
hoje (a menos que seja para falar mau).
Fazemos,
por isso, votos de que iniciativas como a Comunidade de Jesus, que
está presente em diversos Países, inclusive no Brasil, possam prosperar e expandir os horizontes da espiritualidade reformada no
Brasil.
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