Rev. Marcelo Lemos
Carrego
comigo certa dose de admiração por Jacob Arminius, teólogo
holandês que emprestaria seu nome ao sistema teológico conhecido
como Arminianismo. Essa é uma declaração um tanto perigosa
considerando que sou convicto Calvinista. Mas, quando se fala em
Jacob Arminius tem-se a impressão de que a maioria dos seus críticos
jamais se deu ao trabalho de ler seus escritos – o mesmo vale para
os críticos da teologia de João Calvino. E, lendo Arminius tenho
encontrado valiosos tesouros, apesar de rejeitar partes importantes
de sua Soteriologia.
Gostaria
mencionar também certa injustiça que é feita a teologia de
Arminius. Desde sempre sua tese tem sido acusada de “Pelagianismo”,
uma acusação imprecisa. Aqueles que fazem tal acusação nada sabem
sobre qual era a heresia de Pelágio, ou nada sabem sobre a teologia
de Arminius. A heresia pelagiana consistia na negação do Pecado
Original. É verdade que isso geraria um ferrenho debate sobre a
Graça de Deus, incluindo a Predestinação, mas o coração da
heresia estava na negação do Pecado Original.
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Além
disso, Pelágio defendia que a morte de Cristo teria sido para nos
deixar um exemplo, e não uma Obra Vicária; consequentemente,
defendia que a natureza humana era capaz, por si mesma, de mudar sua
própria sorte e redimir-se, seguindo o exemplo deixado de Cristo. Os
pontos centrais da doutrina Pelagiana consistiam no seguinte: (a) Ao
pecar Adão prejudicou apenas a si mesmo, não a raça humana; (b) As
crianças nascem no mesmo estado de pureza que Adão tinha no Édem;
(c) A raça humana não morre com o pecado de Adão, nem vive
novamente pela Ressurreição de Cristo; (d) Que a Lei era um guia
tão para o céu quanto o Evangelho; (e) Mesmo antes do Advento de
Cristo os homens podiam viver sem pecado.
Jacob
Arminius, no entanto, jamais negou o Pecado Original, nem questionou
a Total Depravação da Natureza Humana.
“Esta
é minha opinião sobre o livre-arbítrio do homem: em sua primitiva
condição, quando saiu das mãos de seu Criador, foi o homem dotado
de uma grande porção de santidade, conhecimento e poder, que lhe
permitia compreender, amar, considerar, desejar e operar o verdadeiro
bem, de acordo com os mandamentos que lhe foram entregues. Porém,
nenhuma dessas coisas poderia ele realizar se não fosse por meio do
auxilio da Graça Divina. Mas, em seu estado caído e pecaminoso, o
homem não é capaz, de por si mesmo, sequer pensar, querer ou fazer
aquilo que é verdadeiramente bom: é necessário que ele seja
regenerado e renovado em seu intelecto, afeições, vontades, e em
todas as suas habilidades. Por Deus, em Cristo, através do Espírito
Santo, é que ele pode ter capacidade a entender, estimar, desejar e
operar o verdadeiro bem. Quando ele é feito participante desta
regeneração ou renovação, eu considero que, tendo sido liberto do
pecado, torna-se capaz de pensar, querer e fazer aquilo que é bom,
no entanto jamais sem o contínuo auxilio da Graça Divina”
(ARMINIUS, Jacob; The Works of James Arminius, Volume I).
Não
consigo encontrar o menor traço da heresia pelagiana no modo como
Arminius descreve a condição espiritual do homem caído. Muito pelo
contrário: sua visão a respeito da condição do homem
não-regenerado é maravilhosamente bíblica e, por isso mesmo, é
tão semelhante a teologia calvinista. O que não significa que sua
teologia era completamente saudável. Falamos sobre isso mais
adiante.
Em
primeiro lugar observem isto: não preciso ir a Calvino ou Lutero
para negar a teoria do Livre-Arbítrio – basta-me Jacob
Arminius! “Quando ele é feito participante desta
regeneração ou renovação,... torna-se capaz”, ensina Arminius.
Este é o ensino Bíblico. Este é o ensino Calvinista. Esta é, em
última análise, uma negação do livre-arbítrio. Arminus defende
que o homem é absolutamente escravo do pecado, e do pecado não pode
se livrar a menos que seja regenerado, então, basta-nos isto para
negar a tese do livre-arbítrio, como fez magistralmente Lutero:
“Se
todos os homens possuem ‘livre-arbítrio’, ao mesmo tempo em que
todos, sem qualquer exceção, estão debaixo da ira de Deus,
segue-se daí que o ‘livre-arbítrio’ os está conduzindo a uma
única direção – da “impiedade e da iniquidade”. Portanto, em
que o poder do ‘livre-arbítrio’ os está ajudando a fazer o que
é certo? Se existe realmente ‘livre-arbítrio’, ele não parece
capaz de ajudar os homens a atingirem a salvação, porquanto os
deixa sob a Ira de Deus” (LUTERO, Martinho; Nascido Escravo;
Editora Fiel).
Lutero
foi direto ao ponto: se o homem é escravo do pecado, mesmo que o
livre-arbítrio existisse não seria capaz de ajudá-lo em nada. O
livre-arbítrio é tão escravo do pecado quanto o próprio homem,
pois tudo que a vontade humana consegue fazer por si mesma é o
pecar: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não
habita bem algum; e, com efeito, o querer está em mim, mas não
consigo realizar o bem” (Romanos 7.18). Sabiamente alguém definiu
o problema nos seguintes termos: Livre-arbítrio, um escravo!
“Vamos,
no entanto, nos referir à grande doutrina da Queda. Qualquer pessoa
que acredita que a vontade do homem é inteiramente livre, e que pode
ser salva por meio dela, não acredita na Queda. Como, às vezes,
tenho lhes dito: poucos pregadores acreditam plenamente na doutrina
da Queda, ou então apenas acreditam que Adão, quando caiu, quebrou
seu dedo mindinho, e não seu pescoço, arruinando assim a sua raça.
Ora, amados, a Queda quebrou o homem completamente. Não deixou
nenhuma capacidade inalterada; todas foram despedaçadas, degradadas
e manchadas. Como um poderoso templo, os pilares podem estar ali, as
colunas, até o pilar principal, mas, todos eles foram quebrados,
ainda que alguns retenham suas formas e posições. Às vezes a
consciência do homem retam muito a sua ternura - no entanto, esta
caída. A vontade também não está isenta. Embora seja o maioral de
Mansoul - conforme Bunyan o chama - o maioral erra. O senhor vontade
- voluntarioso - estava continuamente errando.
A
natureza caída que vocês tem foi colocada fora de ordem; sua
vontade, entre outras coisas, afastou-se completamente de Deus. Eu
lhes direi que a melhor prova disso: é o grande fato de que nunca
encontraram um cristão, em toda a sua vida, que dissesse que ele
veio a Cristo, sem que antes Cristo tivesse vindo a ele” (SPURGEON,
Charles H,; Livre Arbítrio: Um Escravo).
Veja
todos estes três, incluindo Jacob Arminius, me dizendo a mesma
coisa: a completa impotência da vontade do homem não-regenerado.
Isso implica na negação do livre-arbítrio, ao menos enquanto algo
que possa ajudar o homem a fazer algo melhor por si mesmo. O
livre-arbítrio, se existe, é tão escravo do pecado quanto o homem!
Evidentemente o leitor atento irá perceber a ironia: “livre-arbítrio
escravo” é uma auto-contradição que invalida a própria tese do
livre-arbítrio. Por outro lado, a negativa da escravidão da vontade
implica a negação dos efeitos da Queda, e incorre na heresia
pelagiana!
Então,
como eu disse no início, a teologia de Jacob Arminius não é
completamente saudável. Esse é nosso segundo ponto. Quando Arminius
se propõe a definir o estado espiritual do homem faz um bom
trabalho, como vimos acima. Porém, incapaz de se render as
implicações óbvias de sua própria conclusão, torna-se inimigo
das Escrituras e contradiz a si mesmo. Questionado sobre suas
posições, Arminius envia aos Curadores da Universidade de Leyden
,um documento contendo Nove Questões (Nine Questions), em Novembro
de 1605. Ao responder uma das perguntas – como pode Deus exigir que
o homem tenha fé se o homem é incapaz de ter fé por si só? – o
celebre teólogo holandês responde:
“Deus
pode fazer tal exigência, já que ele determinou conceder ao homem
graça suficiente pela qual ele possa acreditar” (ARMINIUS, Jacob;
The Works of James Arminius, Volume I).
O
homem , segundo admite Arminius, não tem nenhuma capacidade de crer
em Jesus e fazer verdadeiro bem. Sua natureza encontra-se fatalmente
corrompida pelo pecado. Arminianos e Calvinistas estão de acordo
sobre este ponto. Mas se tal conclusão é verdadeira (já
vimos que é), como pode o homem ser salvo? Como pode o homem vir a
crer em Jesus? Arminius argumenta que Deus concede ao homem “graça
suficiente pela qual ele possa acreditar”.
Neste
ponto, Arminus contradiz sua própria teologia sobre a Queda, e
claro, o ensino das Escrituras. Como vimos, Arminus defende que os
efeitos da Queda foram tão devastadores sobre a natureza humana, que
só podemos crer depois de sermos regenerados: “...é necessário
que ele seja regenerado e renovado em seu intelecto, afeições,
vontades, e em todas as suas habilidades... Quando ele é feito
participante desta regeneração ou renovação, eu considero que,
tendo sido liberto do pecado, torna-se capaz...” (ARMINIUS, Jacob;
The Works of James Arminius, Volume I).
Todavia,
não querendo admitir as conclusões evidentes de sua própria
teologia, ele defende que Deus concede ao homem não-regenerado
“graça suficiente pela qual possa acreditar”. De posse de tal
“graça suficiente”, o homem “pode ou não acreditar”. Em
outras palavras, está sendo dito que o homem está em trevas
absolutas, mas Deus acende uma luz diante de seus olhos, dando-lhe a
chance de crer.
A
tentativa que Jacob Arminius faz para salvar a livre escolha do homem
é completamente absurda. Se ele defende que o homem só pode crer se
for, primeiro, regenerado, como pode conceber a ideia de que tal
regeneração ocorra divorciada da fé? Por acaso Deus regenera o
homem e depois pergunta se ele quer acreditar em Jesus? Ou será que
“graça suficiente para crer” não é o mesmo que “regeneração”?
Neste caso, a afirmação de que é preciso ser regenerado para se
capaz crer não terá sido mais que um habilidoso jogo de palavras?
De
modo que, assim como não é justo acusar a teologia de Arminius de
pelagianismo, não se pode evitar tão facilmente a acusação de
“semi-pelagianismo”. Tal acusação nasce justamente da
contradição inerente ao pensamento do teólogo holandês: O homem
pode crer sem ser regenerado primeiro? Essa “regeneração” –
da qual fala Arminuius – é uma “ajuda” que Deus dá ao homem
depravado, ou é o milagre do Novo Nascimento? Para ter fé o homem
precisa de certo auxilio do Espírito, ou precisa que o Espírito
opere o milagre da nova vida, regenerando-o?
O
ensino bíblico é claro: Deus concede vida ao homem, de modo livre e
soberano. Nas Escrituras, a salvação não depende do home ser capaz
de escolher o bem. “Ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me
enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último Dia” (João
6.44). “E dizia: Por isso, eu vos disse que ninguém pode vir a
mim, se por meu Pai não lhe for concedido” (S. João 6.65). “Todas
as coisas me foram entregues por meu Pai; e ninguém conhece o Filho,
senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a
quem o Filho o quiser revelar” (S. Mateus 11.27). “Compadecer-me-ei
de quem me compadecer e terei misericórdia de quem eu tiver
misericórdia. Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que
corre, mas de Deus, que se compadece” (Romanos 9.15,16).
Por
fim, quando Deus interfere na existência humana não é para abrir
uma possibilidade de salvação, mas para salvar efetivamente. Ele
não apenas iluminou nossos olhos, ele nos ressuscitou! “Antes,
andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e
dos pensamentos, e éramos por natureza filhos da Ira, como os outros
também. Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu
muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas
ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois
salvos), e nos ressuscitou juntamente com Ele, e nos fez assentar nos
lugares celestiais, em Cristo Jesus – para mostrar nos séculos
futuros as abundantes riquezas da sua graça, pela sua benignidade
para conosco em Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, por
meio da fé; e isso não vem de vós: é dom de Deus” (Efésios
2.3-8).
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