500 Anos de Reforma: Protestantes, voltem pra casa!

Marcelo Lemos

Numa contagem regressiva provocadora, de setenta dias, um centro educacional ligado a Igreja de Roma lançou uma campanha para 'aguardar' as comemorações dos 500 Anos da Reforma. "Protestantes voltem para casa", é o apelo do Centro Dom Bosco.

 

Em sua página no Facebook, os idealizadores da campanha dizem coisas como "Estamos nos aproximando de uma das fases mais tristes da história. Em 31/10/1517, Martinho Lutero iniciou uma revolta sem precedentes contra a Igreja fundada por Jesus Cristo".

 

A jogada publicitária, ousada e inteligente, gerou reações variadas e já previsíveis. Muitos católicos aplaudiram, muitos protestantes zombaram, e outros se ofenderam. A maioria ignorou.

 

Sem nenhuma pretensão de escrever algo realmente original a respeito, eis que recebo de um contato o selo da campanha, acompanhado por um pedido de desculpas:

- Amigo, espero que não se ofenda.

- De forma alguma; respondi. Na verdade fico feliz com o convite.

- Sério?

- "Voltem pra casa!" só faz sentido se você compreendeu o que somos. Como anglicano estou acostumado as pessoas nos interpretando de várias formas. Quase nunca nos confundem com os Reformadores.

- Que achou do convite?

- Inteligente, mas atrasado. No próximo dia 31 de Outubro estarei participando do Culto da Reforma, realizado pelas Igrejas Luteranas na Igreja São Sebastião, em Belo Horizonte. O convite veio do Padre José Cândido, reitor da paróquia que daqui alguns dias se encherá com Castelo Forte, o mais icônico dos hinos de Lutero.

- Na São Sebastião? Padre Cândido da TV? Como pode?

- Não se ofenda, mas a própria cúpula da Igreja de Roma, incluindo Papas mais recentes, tem reconhecido o valor de Lutero e da Reforma. Francisco, por exemplo, reconhece que a Igreja contra a qual Lutero protestou "não era precisamente um modelo a imitar: havia corrupção, mundanismo, apego à riqueza e ao poder. E por isso ele protestou, era inteligente e deu um passo adiante justificando porquê o fazia". Padre Cândido deve estar se espelhando neles, entende?

- Mas Roma é a Igreja original.

- Que a Igreja Ortodoxa não te ouça falando isso.

- Estão igualmente equivocados!

- Talvez. Mas, gosto de me manter atualizado: antes Roma condenava os protestantes ao Inferno, hoje os chama de irmãos; irmãos separados, mas irmãos. Se antes considerava a liberdade religiosa um erro, hoje a advoga no Catecismo, e faz parte de esforços ecumênicos. Se antes o Padre era proibido de celebrar a Missa de frente para o povo, e na língua comum, hoje pode ser excomungado se teimar em tais coisas sem a devida autorização. A Igreja pós-conciliar adotou em diferentes graus várias das orientações da reforma luterana, apesar de ter excomungando protestantes dizendo que o Missal de Pio V era intocável. Você sabia que a Nova Missa, o Novo Ordus, foi elaborado com assistência de seis (06) ministros protestantes?

- Eles foram apenas observadores, não significaram nada para as decisões do Concílio Ecumênico.

- Sabe quem foi Jean Guitton? Esse amigo íntimo de Paulo VI escreveu que intenção do Papa, e do Concílio, foi "reformar a liturgia de tal modo que ela quase coincidisse com a liturgia protestante", num esforço ecumênico.

- As coisas mudaram um pouco...

- "Um pouco" é questão de ponto de vista. Talvez você saiba que das orações da Missa Tradicional sobraram apenas 17%? Seja como for, criou-se uma teoria chamada "hermenêutica da continuidade", abertamente defendida por Bento XVI, para evitar que os fiéis pensem que a Igreja de Roma de hoje contradiz a de Trento.

- Continua sendo a casa de todos os cristãos!

- A Igreja é nossa casa, e nossa mãe. Independente de ser romana, anglicana ou alemã. Ademais, o convite da Dom Bosco abraça um saudosismo tocante, e compreensível, mas ignora que a casa de onde Lutero saiu já não mais existe.