Certa feita, já há muito tempo, não recordo onde de esquecido que sou, li a história de um interessante palhaço. Palhaço mesmo, no duro, denotativo, de cara em pó e nariz vermelho. Não que eu goste, não é o caso; de palhaço pouco entendo - palhaço bom só como aquele do IT, que não esconde sua verdadeira natureza assustadora (pelo menos pra mim, risos). Mas o palhaço dessa história muito me agradou; ou melhor, me permitiu compreender algo a mais sobre a falta de relevância que dizima o testemunho da religião evangélica no nosso país.
Ao revés da admiração ou do entusiasmo, o que geralmente nos sequestra a alma no evangelicalismo tupiniquim, a vista do Dédalo sombrio por onde transita, diria eu, a la Euclides, é antes um desapontamento. Desapontamento este que, apesar de uno, subsiste em inúmeras hipostasis: é o desapontamento da alma genebrina, centenária, que se depara com o enaltecer do humanismo soteriológico de nosso tempo; é o desapontamento do coração wesleyano, a constante chama, violentado pelos sonhos megalomaníacos de papas e madres das Igrejas de São José Rico e de Santo Milionário. Igualmente, é sem dúvida o desapontamento, inclusive, dos herdeiros de Azuza, impotentes a contemplarem, saudosos, seu fervor carismático sendo varrido em tsunamis sucessivas de sincretismo insano do qual até Constantino sentiria inveja.
Chego a sentir pena do palhaço. Triste fim o seu: metáfora que denuncia a religiosidade quase falida de nossa gente. Quase falida? Ora, tenhamos um pouco de fé! Mas, e o Palhaço, que tem haver?
Era uma vez, em algum recanto da Europa, um circo pequeno – daqueles que se instalam em cidades igualmente pequenas, ruas de pedras, casas de tijolinho queimado e ar medieval. Pelos tijolinhos a história parece ter se dado na Alemanha; terra de Karl Barth, o profeta. Nesse tempo, de era uma vez, circo representava diversão garantida, talvez pela falta de opções ou porque, mais provável, uma cara pintada soltando fogo pelas ventas seria, naqueles dias, espetáculo tão arrebatador quando Circo de Solei é hoje. Seja como for, o que nos importa é que o circo da nossa história era muito famoso por lá. Famoso era também o Palhaço.
- Ele é mais famoso que o próprio circo, lhes diria algum fã exaltado.
- Mais famoso ele não pode ser, pois sem circo não existe palhaço, era a opinião que, em dias tão conturbados e de SS, preferindo não entrar em contendas desnecessárias, o joalheiro Benjamim guardava para si. Contudo, ninguém na cidade poderia negar que o homem era uma figura admirável.
Imaginem os senhores que o tal Palhaço era doutor em publicidade e, além disso, garoto propaganda. E dos bons. Num tempo onde o audiovisual era sonho de vernistas, o Palhaço da nossa história era Rei. Todos os domingos, dia sagrado da apresentação circense, o Palhaço ia ao centro da pequena cidade convidar os moradores para o espetáculo da noite. Não era mero convite, estejam certos, era um show de abertura, um espetáculo solo, verdadeira antecipação do gozo que os aguardava no circo.
Era uma palhaçada só!
Certo domingo, já tardinha, o Palhaço, que se preparava para ir a cidade fazer o costumeiro convite, já havia vestido o figurino. Porém, aquele não seria um domingo como tantos outros. Desabou-se. O pior pesadelo de um circo os destruiria. Um incêndio. Foi a debandada geral. O Palhaço e os demais artistas e empregados apavorados, engatilhavam mangueiras e equilibravam bacias cheias d’água. Tudo debalde. Foi aí que alguém teve a ideia salvadora: mandem o palhaço à cidade em busca de ajuda!
Foi uma palhaçada só!

Reconheçamos, amigos! Quem dará crédito à um Palhaço? Quanto mais grita e implora o desventurado artista, mais a platéia aplaude. E quanto mais o seu desespero aumenta, mais sua aparência é cômica, e mais gargalhadas desperta! Assombrado pela memória das chamas a consumir o trabalho de uma vida, o impotente palhaço, travestido naqueles instantes de arauto e atalaia, lembrou-se de uma advertência da mãe: “Quando um Palhaço fala sério, quem a sério o tomará?”.
De modo parecido, o mundo que se denomina "evangélico" a muito tem se transformado na diversão do mundo. Seja por promover ‘pão e circo’ e auto-ajuda com sabor religioso; seja por demonstrar quão patética é a pregação legalista de uma grande parte, principalmente quando contrastada com o testemunho de vida de muitos que dizem professar a fé cristã. Pregação virou stand-up; adoração, espetáculo; pregadores, mascates; pastores, empresários. Inadvertidamente tem a Igreja se tornado a diversão insípida (Mateus 5.13) dos pecadores, inimigos de Deus, e chamados de “filhos da ira” pelas Escrituras (Efésios 2.3). Ainda assim, ninguém parece se dar conta do desastre que se avizinha…
Quando me pego refletindo tais questões não consigo evitar a advertência do batista Charles Spurgeon: às vezes pensamos estar alimentando ovelhas, quando na verdade estamos apenas divertindo os bodes.
Cronica publicada em 2011, no site Genizah. Revisão: 01/10/17.
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