Rev. Marcelo Lemos
Um dos maiores nomes do anglicanismo certamente é o do Reverendo John Wesley, fundador do Movimento Metodista. Até o fim de sua vida Wesley se manteve como ministro ordenado da Igreja da Inglaterra, portanto um anglicano. E que anglicano! Quase no fim ele chegou a cogitar separar-se do ramo principal da igreja, mas foi apenas depois de sua morte que as congregações ligadas ao seu movimento acabaram se separando da Igreja da Inglaterra, dando origem a uma nova demoninação, a Igreja Metodista.
Sua maestria no púlpito, seu fervor missionário, sua produção musical e seu legado evangélico evidentemente o colocam ao lado de outros grandes heróis da fé cristã, como J.C. Ryle, George Whiterfield, Spurgeon e tantos outros. Se vamos escrever sobre os grandes nomes do anglicanismo, precisamos falar de Wesley.
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Nosso tema
Todavia não será nosso interesse neste artigo falar sobre sua vida, ou mesmo sobre sua obra. Nosso olhar será dirigido à eclesiologia de Wesley. Quem sabe encontremos aqui um dos aspectos mais admiráveis de sua espiritualidade; aspecto infelizmente desconhecido por muitos. Pode ser que esse artigo consiga lançar um pouco de luz sobre a fraca e pobre eclesiologia moderna
O grande conceito que Wesley nutria pela Igreja leva muitos estudiosos a considerá-lo um High Church, ou seja, um clérigo da Igreja Alta. E está é uma afirmação incrível de se fazer a respeito de um dos maiores nomes evangélicos da história - especialmente hoje quando Igreja Alta quase sempre é tomada como sinônimo de anglo-catolicismo, o que não se pode atribuir a Wesley, apesar de alguns abusos que tenha cometido.
É interessante deixar anotado o sentido de Igreja Alta que temos em mente. Os chamados "clérigos altos" eram reconhecidos por uma forte adesão ao Episcopado, aos Sacramentos e a autoridade da Igreja. Wesley certamente atendia a tais requisitos. Porém, ele pode ter ir além daquilo que a tradição anglicana e reformada permitem. Quando trabalhou como missionário na Geórgia, por exemplo, teria praticado o rebatismo, a tripla imersão (trígono), mistura de água no vinho da Comunhão, e também impedido que paroquianos batizados por um ministro sem episcopado pudessem comungar (Anglican and Episcopal History; Vol. 78, No. 2, Junho 2009). A respeito do episcopado como um direito divino sabemos que ele abandonaria tal ideia.
Deslizes ritualísticos a parte, o que pensava Wesley a respeito da Igreja? Tentaremos responder essa questão com algumas citações extraídas de seus sermões e cartas.
Vale dizer que não realizamos nenhuma pesquisa ampla, nos limitamos a tecer comentários sobre o que pode ser encontrado no livro "Coletânea da Teologia de John Wesley", publicado pela primeira vez no Brasil em 1960, pela Junta Geral de Educação Cristã da Igreja Metodista do Brasil.
Para Wesley a Igreja é católica.

Católica, claro, no sentido utilizado pelos Reformadores, e pelos Pais da Igreja mais antigos. Ela não é católica romana, mas católica realmente, no sentido de ser universal. Para esse grande líder, à frente de um grande movimento de renovação que, depois de sua morte, causaria um cisma na Igreja da Inglaterra, a Igreja nada tinha a ver com sentimentos sectários. Muito pelo contrário, ela existe além de barreiras erguidas pela pecaminosidade humana.
"O que é propriamente a Igreja de Deus? Qual é o verdadeiro sentido deste termo? 'A Igreja em Éfeso', como o próprio apóstolo o explica, significa os "santos", as pessoas santas "que estão em Éfeso" e lá se reúnem para cultuar a Deus, o Pai, e seu Filho Jesus Cristo, que fizessem isso em um ou (como podemos provavelmente supor) em vários lugares. É a Igreja como um todo, Católica ou Universal, que nesta passagem o apóstolo considera como um corpo, compreendendo não apenas os crentes de uma congregação, de uma cidade, de um Estado ou nação, mas todas as pessoas sobre a Terra que tem o caráter aqui referido".
Para Wesley a Igreja é um congregar-se
A citação que acabamos de ler não irá ser do agrado dos ditos "desigrejados". Para Wesley a Igreja se torna visível no mundo quando os santos "lá se reúnem para cultuar" o Deus Triuno. A necessidade de se congregar é coisa perfeitamente demonstrada em todo o Novo Testamento, bastando que o estudante das Escrituras faça uma simples pesquisa sobre o termo "igreja" nos escritos apostólicos.
Entre os deveres do cristão Wesley listava este: "Irdes a Igreja e comungardes todas as semanas e estardes presentes as reuniões públicas da sociedade". Desafortunadamente, tem se tornado popular a Ideia de se a igreja histórica a causa da frieza espiritual em nossa geração. Justiça seja feita Wesley trabalhou muito para vencer o tradicionalismo de sua denominação, mas o fez sem jamais colocar em xeque a validade e a necessidade do modelo neotestamentario: uma igreja é uma congregação, devidamente organizada para servir ao Senhor.
Para Wesley a Igreja é Sacramental
Como identificar a Igreja? E como sabemos que alguém faz parte dela? Wesley responde dizendo:
"Aqui está, pois, a resposta para aquela pergunta - o que é a Igreja? (...) Eis uma espécie de Igreja nativa no Novo Testamento: um grupo de homens chamados pelo Evangelho, integrados em Cristo pelo Batismo, animados pelo amor, unidos por toda sorte de companheirismo, e disciplinamos pela morte de Ananias e Safira".
Sabemos onde está a Igreja porque as pessoas se congregam - "um grupo de homens chamados pelo Evangelho" - e sabemos quem são esses homens por aquilo que os une a Cristo: "integrados em Cristo pelo Batismo".
Que o fato de alguém ser batizado não garante que é salva os anglicamos sabem. Mas a questão é completamente diversa. Um vez que não somos capazes de analisar o coração dos homens, nossas relações como Igreja se baseiam naquilo que Cristo nos ordenou fazer. No caso o Batismo. Visivelmente falando, é o Batismo que testifica nossa união, espiritual e invisível, com Cristo.
O homem sem Batismo não participa totalmente da comunidade cristã. Até mesmo igrejas com pouca teologia sacramental se recusam, por exemplo, a permitir que alguém sem batismo se aproxime da Mesa do Senhor. O Batismo é o sacramento através do qual, externamente falando, nos tornamos membros do Corpo de Cristo, a Igreja. "Somos admitidos na Igreja pelo Batismo é, consequentemente, feitos membros de Cristo, sua cabeça", escreveu Wesley.
Mas, a Ceia do Senhor também é Sacramento, e sobre sua importância Wesley ensinava, como já citado no tópico anterior: "ides a Igreja e comungardes todas as semanas". Em outro lugar escreveu: "é dever de todos os cristãos participarem da Ceia do Senhor tão frequentemente quanto puderem". Note-se a ênfase na necessidade de comungar "todas as semanas", coisa que para muitos evangélicos não parece tão importante. Alguns tomam a Ceia apenas uma vez por mês, a cada dois meses, ou de ano em ano.
Será que os cristãos de hoje dão ao Sacramento da Eucarístia o mesmo valor a ele atribuído por Wesley? " Os benefícios da mesma são enormes para todos os que fazem em obediência Ele, por exemplo: o perdão dos nossos pecados passados, o fortalecimento presente e a renovação das nossas almas... Quando nos convencemos que pecamos, que meio mais seguro temos de procurar o perdão que anunciarmos a morte do Senhor é suplicarmos que nos limpe de nossos pecados em virtude dos sofrimentos de seu Filho?".
As orientações de Wesley revelam o grande valor que ele atribuía a vida sacramental, e possivelmente contribuiu para sua fama de High Church.
Para Wesley a Igreja deve ser Episcopal
Mesmo quando rejeitou a noção católico-romana de "direito divino", um dos pilares sob a tese da Sucessão Apostólica, ele não deixou de crer que a Igreja deve ser governada por Bispos. Lembrando que o Anglicanismo ainda hoje defende a Sucessão Histórica, que não é idêntica à Sucessão Apostólica, defendida pela Igreja de Roma. Aliás, ele confessa envergonhar-se "sinceramente" de um dia ter também defendido a ideia romana de episcopado.
"Eu ainda creio, segundo meu julgamento, que o governo episcopal da Igreja é bíblico e apostólico, isto é, concorda perfeitamente com a pratica e os escritos dos apóstolos".
Para Wesley a Igreja é catequética
Já ouviu falar em Igreja com células? Talvez tenha sido Wesley quem as inventou. E ainda que o famigerado movimento G12 em nada faça jus ao legado wesleyano, o modelo utilizado por suas congregações também tinha o número 12 como base.
"Para que se possa mais facilmente discernir se estão realmente realizando sua salvação, cada sociedade é dividida em grupos menores, chamados classes, de acordo com as suas residências. Há cerca de doze pessoas em cada classe, sendo uma delas indicadas para ser o líder. É dever do líder: visitar cada um de sua classe, pelo menos uma vez por semana, para indagar dele a respeito do progresso de sua alma, reprovar, confortar ou exortar, conforme as exigências da ocasião".
Os líderes, depois, deviam reportar aos Ministros da Igreja o que acontecia em suas classes. Observa-se nestas disposições dadas por Wesley uma legítima preocupação pelo crescimento espiritual dos que ficam sob os cuidados pastorais de suas sociedades. Até mesmo se um membro ficava doente o caso era reportado a Igreja, para o devido apoio.
Para o Rev. John Wesley, a liturgia e a doutrina anglicana eram legitimamente cristãs, nas suas próprias palavras "as doutrinas da Igreja são sãs; sei que seu culto é puro e bíblico". E se hoje seus herdeiros formam uma tradição separada da que mantemos, em nada nos impede de louvar a Deus pelo grande servo que foi, e por usa herança sobreviver ainda hoje. Que Deus nos conhecida novos Wesleys!
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